Com pouca água, reservatórios de hidrelétricas acendem sinal de alerta

Tradicionalmente, a estação chuvosa é a época do ano em que a natureza, com suas chuvas copiosas, recompõe o que ficou comprometido pela escassez de água que marca o período do ano que vai de abril novembro. Aí, com a chegada das chuvas, os pastos ficam novamente vistosos e as represas das usinas hidrelétricas retomam seus níveis habituais. Assim deveria ser. Mas não é assim que está sendo. Em passado recente, o Brasil foi atingido por dois apagões. Um foi no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2001; o outro, de menores proporções, ocorreu em 2013, no governo Dilma.

Este ano, já em plena estação das chuvas, a maioria dos reservatórios das hidrelétricas brasileiras não está conseguindo se recompor. De acordo com dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), das 39 hidrelétricas sob sua responsabilidade, 29 estão com menos da metade de sua capacidade de armazenamento ocupada. Das outras dez, sete estavam com percentual entre 50% a 60%. Apenas duas estavam em melhor situação: Billings, no rio Tietê, com 64,26% de armazenamento; e Santa Clara, no rio Iguaçú, com 74,44% da capacidade de armazenamento ocupada.

No extremo oposto –o da escassez – estão as hidrelétricas de Chavantes, no rio Paranapanema (9,49%), e quatro outras localizadas no rio Paranaíba, na divisa de Minas Gerais com Goiás: Serra do Facão (10,38%), Itumbiara (11%) e Nova Ponte (11,57%), que há um ano, em fevereiro de 2019, operava com menos de um quinto (22,59%) de sua capacidade de armazenamento de água. Em 11 meses, esse percentual, que, já era preocupante, caiu à metade.

Em 11 meses, reservatório da usina de Nova Ponte, no Triângulo Mineiro, perdeu metade da água armazenada e hoje opera com apenas 11,57% de sua capacidade Foto: Reprodução TV Integração

Apagão – O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) reconhece que a situação dos reservatórios das hidrelétricas brasileiras não é das melhores. Mas descarta a possibilidade de repetição dos apagões registrados nos últimos anos. De acordo com a assessoria de Comunicação da instituição, a situação de hoje é muito diferente das anteriores do ponto da vista da diversidade das fontes geradoras de energia, com a inclusão, na matriz elétrica brasileira, das usinas eólicas, solares e também das termoelétricas, que são acionadas sempre que os reservatórios atingem níveis baixos de armazenamento de água, como agora.

As termoelétricas, muito comuns na Europa, passaram a fazer parte da matriz elétrica brasileira neste século, após o apagão de 2001. É uma solução que tem reflexos negativos não só no bolso do consumidor, mas também no meio ambiente, em consequência da emissão de gases resultantes da queima de combustíveis fósseis, tornando nossa matriz energética cada vez mais suja. Em 2015, veio outra novidade: as bandeiras tarifárias – verde, amarela e vermelha. Na bandeira verde, não há cobrança de adicional sobre o valor da energia gerada. Nas bandeiras amarela e vermelha, o valor da energia é sobretaxado. Isso acontece porque quando o nível dos reservatórios cai, é necessário acionar as termoelétricas, cujo custo de produção da energia é maior que o da que é gerada pelas hidrelétricas.

A ideia do governo era que, nos meses de bandeiras amarela e vermelha, ocorresse uma forçada do consumo em função do aumento, para o consumidor, do custo da energia. Com a redução do consumo, haveria uma economia da geração hidrelétrica. Só que entre o cenário idealizado em 2015 e o cenário atual, há uma grande diferença. A realidade é que as termoelétricas estão entrando em funcionamento rotineiramente, e não esporadicamente, como era a previsão inicial quando de sua implantação.

Uso rotineiro – A título de exemplo, entre janeiro de 2017 e maio de 2020 (41 meses), as bandeiras amarela e vermelha foram referência de tarifa durante 25 meses. Para o engenheiro Adalberto Carvalho de Rezende, diretor da Esco Água e Energia e membro do Conselho Deliberativo da SME, tal situação mostra que o sistema precisa de ajustes, porque o cenário está passando por alertas do ponto de vista hidrológico.

Como exemplo, ele aponta a seca que atingiu o Pantanal e a Amazônia ano passado. Nas duas regiões, a umidade relativa do ar é próximo de 100% o ano todo, situação que não ocorreu esse ano, gerando a seca e, consequentemente, os incêndios que devastaram as duas regiões no segundo semestre. Para ele, o uso recorrente às bandeiras amarela e vermelha e a não recomposição do estoque de água nos reservatórios aponta para a existência de um desequilíbrio que precisa ser corrigido. Para ele, há uma incompatibilidade entre estes dois cenários, pois a expectativa que havia era de que o aumento das tarifas contribuísse para a economia de água.

Adalberto Rezende também contesta a afirmação da ONS de que não há risco de um novo apagão no país. “O risco é inerente à operação. O que a gente faz é controlar o risco”, afirma Adalberto Rezende. Para ele, o fato de o atual sistema, das termoelétricas combinado com as bandeiras, ter dado certo durante um tempo, não significa que dará certo por tempo indeterminado. “Temos que acender a luz vermelha”, reforça.

Adalberto Rezende aponta várias medidas que, a seu ver, contribuiriam para evitar a repetição de apagões. A primeira delas é não cometer erros como o de 2010, quando o governo colocou em leilão 14 mil megawatts (equivalentes a quase um usina de Itaipu) de energia eólica, mas se dispôs a pagar um valor muito inferior ao seu custo de produção. Assim, dos 14 mil megawatts, apenas 800 mil foram comercializados. O resultado, segundo ele, foi que na segunda crise, a de 2013, o governo foi obrigado a acionar as termoelétricas por um prazo muito mais longo e colocou no mercado uma energia de um custo e impacto ambiental muito mais alto.

Contrassenso – Adalberto Rezende defende também que seja posta de lado a ideia de que os reservatórios das hidrelétricas devam ser todos de pequeno porte, para que a área alagada seja igualmente pequena, como querem os ambientalistas. Para ele trata-se de um contrassenso, porque as hidrelétricas são uma fonte de energia limpa e altamente renovável, portanto, ambientalmente correta.

O diretor da SME enfatiza, ainda, a necessidade de se retomar os projetos das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e, paralelamente, que haja incentivos para a modernização de hidrelétricas antigas, nas quais a simples troca do maquinário pode significar um aumento de sua capacidade instalada sem que sejam necessários maiores investimentos. Como exemplo, citou a usina Coronel Américo Teixeira, em Santana do Riacho, cuja potência passou de 3,46 megawatt para 6 megawatts.

Também para se reduzir o risco de apagão, ele propõe a construção de reservatórios apenas para o armazenamento de água em rios onde existam hidrelétricas em sequência. De acordo com Adalberto Rezende, o reservatório seria construído na parte mal alta do curso d’água. Sua função seria apenas a de armazenar água durante o período chuvoso para que na época da seca essa energia pudesse ser utilizada, ema forma de consórcio, por todas as hidrelétricas localizadas abaixo deste reservatório.

Para ele, não há sentido um país como Brasil, detentor de um potencial hídrico muito grande, inclusive, o que é raro, em áreas mais altas, passar por uma crise hídrica a cada dez anos. “Não tem sentido termos crise energética” pondera Adalberto Rezende, para quem as termoelétricas seriam o último recurso ao qual o país deveria recorrer.

Hidrólogo defende construção de mais reservatórios

Para o engenheiro e hidrólogo Sérgio Menin Teixeira de Souza, que também integra o Conselho Deliberativo da SME, a atual situação, de reservatórios com baixo volume de armazenamento de água é resultado da combinação de pelo menos dois fatores: a situação hidrológica das bacias, que estão com um nível baixo de recarga, e o erro cometido em governos anteriores, de se abandonar projetos de construção de grandes reservatórios. Nesse cenário, Sérgio Menin não enxerga solução a curto prazo que não seja a continuidade da política das bandeiras tarifárias como forma de se forçar uma redução o consumo de energia para que se possa economizar o combustível das hidrelétricas: a água.

Ao mesmo tempo, como solução de médio prazo, ele defende que o poder público dê início a projetos para a construção de reservatórios de água, como forma de se reduzir a possibilidade da ocorrência de crises com a de 2001 e 2013, além da que, segundo ele, se vislumbra no cenário atual, de reservatórios com pouca água. Tais medidas são importantes de serem implementadas porque, especificamente do ponto de vista da hidrologia, o Brasil passa por um período de baixa pluviosidade, que ocorre de tempos em tempos e não constitui nenhuma anormalidade. O problema, segundo Menin é que o fim desse ciclo depende que se tenha pelo menos dois ou três anos com chuvas além da média para que essa recuperação ocorra. “Sabemos que isso vai acontecer. Só não sabemos quando”, afirma Sérgio Menin.

Erro histórico – Para ele, o Brasil cometeu o grave erro das três últimas décadas, ter priorizado a geração a fio d’água em nome da preservação ambiental. Trata-se, segundo ele, de um paradoxo, porque o resultado de tal estratégia resultou no acionamento de termoelétricas, de custo ambiental elevado, em detrimento das hidrelétricas. “Ambientalmente foi um desastre”, frisa Sérgio Menin. A prioridade dada às usinas a fio d’água, além da insegurança quanto ao fornecimento de energia firme ao longo de todo o ano, resultou na supermotorização das usinas já existentes, com a colocação de turbinas suplementares, como em Itaipu, que passou de 14 para 16 máquinas.

O problema, segundo Sérgio Menin é que o projeto original de tais usinas foi calculado para uma determinava vazão. Nesse caso, o aumento da potência resulta em mais energia gerada, mas também no aumento do risco hidrológico, já que o volume armazenado no reservatório se reduz, ao longo do ano, em uma velocidade maior que a prevista.

SME/Assessoria de Comunicação

 

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